Após simples (mas não pouco cruéis) 10 horas de viagem, em parte descritas no primeiro capítulo da nossa peregrinação latina, conseguimos finalizar a travessia boliviana e chegar ao Peru. Mais especificamente à capital do departamento de Arequipa, também chamada Arequipa.
Para quem não sabe, o departamento é deveras grande, e vai da serra (Andes) ao litoral pacífico. O ponto mais visitado, no entanto, é a capital, escondida num vale de montanhas desérticas da cordilheira e rodeada por vários picos – entre eles o bonitão vulcânico Misti, com seus quase 6 mil metros de altitude.
Na cidade, fomos recebidos por um casal de amigos: ele, um comunicador e cantor arequipeño que deixou o caos Limeño para abrir um estúdio na serra. Ela, espanhola que em sua longa peregrinação latina o encontrou e com ele alugou um apê maneiro na rua Jerusalem. Lucho & Marta. Também fomos recebidos por Maka, a pitbull maravilhosa deles que fazia xixi no banheiro destinado pra gente, mas que garantiu o nosso amor incondicional mesmo assim.
Após a viagem fatídica já descrita em outra oportunidade, eu sabia ser merecedora de uma cama. Até pensei em cair pra um albergue, já que havíamos chegado um dia antes do previsto e não havíamos conseguido preparar nossos anfitriões. Mas Victor estava ansioso pelo encontro com o amigo limenho, e eu nem tinha forças pra argumentar, apenas segui esperançosa de encontrar um sofá ou qualquer coisa do tipo.
Lá, conseguiram nos descolar um colchão de ar furado e ainda vazio. Passamos uma hora tentando enchê-lo com nossas próprias bocas, num projeto que envolveu muita saliva coletiva. Não tínhamos mais fôlego e meus olhos caiam, por isso sugeri o uso do colchão tal qual como estava. Às 4 da manhã, acordei com minha bunda colada ao chão frio, e início da coluna vertebral ainda levantada pelo pouco ar que sobrava naquilo que seria meu leito por 5 dias.
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Mas, vc sabe, descanso é descanso. Passamos o dia seguinte muito felizes, comendo salteñas bolivianas, alfajores finos peruanos, além de comidas tipicamente Arequipeña, em huariques super true (lugares pouco conhecidos ou comerciais onde se come comida caseira). Pimentas gigantes recheadas de muita carne de procedência andina e queijo é com eles mesmo. A gente pode até passar mal depois, mas que é bom, é.
Também galgamos na mesma tarde uma folha grande de papelão para introduzi-la entre o chão e o colchão de ar esvaziado, pra cortar o frio, e ainda garantimos a compra dos nossos tickets para fazermos o tal caminho de Colca no dia seguinte.
Sem tempo para fazer a coisa certa, decidimos ir e voltar de lá em apenas um dia, tolinhos. Sendo assim, optei também por não vestir meu maiô florido tamanho G nas águas termais próximas ou me aventurar nas tirolesas de Chivay, pois de fato não haveria tempo ou dinheiro para tudo. Em tempo: arrependi-me quanto a tirolesa.
A viagem de ônibus foi de novo uma grande merda, porque Colca não fica a uma hora de lugar nenhum, mas a 5 (ou a 20 dependendo do seu humor). Acordamos às 3 da manhã, pegamos uma estrada novamente perigosa com um motorista pior, e, chegando lá, o mirador tava tomado por turistas que nos impediam de tomar algum lugar coerente para observar contemplativamente o canyon ou o vôo do condor – que não voou naquela manhã.
Os condores dos Andes são aves lindas e grandes, estão entre as maiores do planeta terra, podendo pesar mais de 14 quilinhos de beleza. Já no finzinho da manhã, início da tarde, desavisados gritavam a presença do gigante voador no ar, e logo uma comoção foi gerada.
Eu, já distante e conformada, buscando ao menos uma sombra pra mirar elegantemente a paisagem sem fritar a cútis, me converti na maior interessada histérica e corri até os gritos entusiasmados pra ver se era verdade. Havia um grupo japonês tão grande na muvuca formada que tudo o que pude ver a tempo foi um ponto preto no céu.
Decepções a parte, a vista não deixou de impressionar. O Canyon é bonito e certamente qualquer coração faria tumtum. No meu, fez. Em parte porque, mais uma vez naquela viagem, eu e meu companheiro que tão pouco discutimos no dia a dia havíamos nos desentendido por algum motivo turístico e eu tava de mau humor. Hoje não conseguimos lembrar porque, mas achamos que tem algo a ver com (a) um sanduíche de queijo estragado; (b) um colchão furado e a não necessidade de compra de um novo; (c) quem seria o “guardador” do dinheiro e se estava fazendo isso certo; (d) quem ficava com a janela durante as viagens ou (e) puzzle: daninho é gostoso porque vende mais ou vende mais porque é gostoso?
Ele lá, eu cá. Ficamos uma hora apenas no então ensolarado vale de Colca e logo em seguida tomamos a mesma Kombi apertada que oferecia base para apenas uma banda das minhas voluptuosas nádegas e seguimos para uma região chamada Yanque, onde ficamos por 15 minutos. Lá, nos entristecemos ao ver um condor que havia sido capturado amarrado pelo pé ao braço de um senhor que ganhava dinheiro fácil colocando a ave no ombro dos turistas, que faziam fila e pagavam por uma foto com ela.
Indignados com aquilo, subimos na kombi, fizemos as pazes, e logo encaramos mais 5 horas de regresso até Arequipa. Chegamos absolutamente desnorteados, mas dormimos e acordamos animados o suficiente pra um pisco sour acompanhados de Lucho e Marta, no Casona Forum, pólo noturno inteligente que abraça vários bares, clubes e pubs, entre eles, o Terrace, onde estávamos. Deu pra perceber que a noite por lá não desagradaria aos noturnos – mas, mortais recém-chegados de Colca que éramos, nos recolhemos cedo.
Nos dias seguintes, nos entretemos entre parrillas divertidas (churrascão peruano), quesos helados (nhami), passeios higiênicos, visita aos claustros de la compañia, e acontecimentos caseiros. Com a boa influência de Lucho, os donos de um bar que ficava num dos três portais neo-renacentistas que rodeavam a Plaza de Armas, nos liberaram a passagem secreta pro teto deles, de onde pudemos ter a melhor vista pra mística Misti por um tempão, com chelas arequipeñas nas mãos. Momento de contemplar.
Durante os dias, aprendi a jogar cartas com a Marta e ler o futuro das pessoas – habilidade que pretendo não transformar em comércio no Brasil – e me apaixonei pela cidade, que me lembrou muito Cuzco, talvez um pouco mais estruturada. Defendo que deve ser um dos melhores e mais fofos pontos peruanos, principalmente pra viajantes que fazem questão de infraestrutura.
Pra gente, era aquilo. Nos despediríamos da terra de Mario Vargas Llosa, e voltaríamos para a Bolívia – parte da história que fica pra um próximo capítulo, na próxima semana. Esse aqui, aliás, deveria se chamar “crônicas arequipenhas”, e não Bolivianas, mas, vá, vc entendeu a sequência. Se não, volte ao primeiro capítulo dessa história toda aqui e seja feliz.
Texto da Pree Leonel