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[Crônicas da Pree] Das viagens que não dão exatamente certo

[Crônicas da Pree] Das viagens que não dão exatamente certo

Histórias de viagem, Lima, Peru

Eu sempre gostei dessa coisa de viajar, já sabemos. Pensei que iria fazer isso da vida um dia, mas aí os 23 chegaram, o tempo foi passando, e, você sabe, eu estava mais preocupada em como não fazer a incrível carreira brilhante no Direito que o senhor meu pai imaginou pra mim.

Um dia a amiga disse que iria estudar na Austrália com apoio incondicional e financeiro do seu pai. Mas que tinha medo. Que não queria ir sozinha.  Respondi que ela era uma imbecil. Que medo o meu ovo. Que tinha quem a apoiasse. Que ela não tinha nada a perder.

Três meses depois ninguém foi pra Austrália, mas eu estava na Inglaterra. Com sangue nos olhos e amassando cacos de vidros com a mão direita, percebi que a imbecil também era eu, vendi meu Uno 2003 cor vinho, placa JKR 9999, larguei meu trabalho e fui estudar ingrêis nas gringa.

Mentira, eu fugi. Fugi e voltei. Voltei mais quebrada do que quando fui, mas a vida dá certo.

Lá, viajei ainda mais e conheci o projeto couch surfing, que me fez receber gentes de todos os lados, o que me fez conhecer o namorado peruano, o que me levou pra Marcahuasi, região andina de Lima, no ano novo de 2011 para 2012. Tínhamos outras opções mais razoáveis para a virada, mas escolhemos, de última hora, a mais maluca, que era a de nos enfiarmos nas montanhas novamente, sem qualquer planejamento.

Pois bem. Compramos pães, atum e barracas, acordamos às 5h30 e começamos a contar: uma hora de atraso fatal dos coleguinhas; uma hora de táxi, espremendo bunda GG com mais duas tamanho G e uma M; uma hora e meia em uma rodoviária improvisada com chão de terra, aguardando o veículo lotar (é que, se não lotasse, não saia).

Prossigo: mais duas horas subindo montanhas bonitas e muito altas, em um ônibuzinho teco-teco, provavelmente desenhado para anões em 1964, e três horas (obrigatórias) em burritos,  em um background de dar inveja a filme de Hollywood, acima das nuvens, quando dava pra ver. É que tinha muita nuvem, então às vezes não se via nada, só se sabia no alto do precipício.

Era pra ser uma caminhada íngreme de duas horas, durante a tarde, e chegaríamos antes do pôr do sol, pra que fosse seguro e tivéssemos tempo de curtir a última noite do ano. Só que tudo tinha saído meio errado, eu estava de piriri, estávamos atrasados por condições peruanas muito previsíveis, mas que não previmos antes. Nós não havíamos nos planejado praquilo, nem os amigos do meu marido, na época meu namorado, que já haviam feito o mesmo trajeto. Só sabíamos que tínhamos que subir rápido.

Com o meu estado de saúde piorando, eu e Vic ficamos com os dois últimos cavalos.  Os amigos dele foram os últimos autorizados a subirem a pé, carregando seus pertences, após alguma insistência, por conta do horário avançado. E eles foram ficando pra trás. Bem pra trás.

Chuva rala, frio do tipo zero grau, pouco espaço entre chão e precipício, lama na subida, cavalos escorregando, cavaleiros desesperados, e uma infecção intestinal agravada, pra ficar bonito. Com cólicas e calafrios, só entrei em pânico mesmo quando o meu providencial e amável burrito tentou fazer, por conta própria, uma ultrapassagem utilizando a força do seu corpo contra o do burrito do Victor, prensando a minha perna nele e quase me fazendo cair precipício abaixo.


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O guia nos contou que alguns cavalos se jogam dos precipícios quando ficam mais velhos. Me sentindo mal, pedi desculpas pro meu burrito. Foram três horas na garupa dele, durante as quais realmente entendíamos como aquelas pessoas que aparecem nos jornais morrem nas montanhas do Peru, ou caem de bobagem. São situações que ou subestimamos enquanto aventureiros, ou contextos onde somos inseridos sem saber o tamanho da gravidade da coisa, no meu caso.

Não sabíamos mesmo onde estavam nossos amigos, mas sabíamos que estava escurecendo e, com isso, a visibilidade de cada um deles diminuindo. Víamos muitos mochileiros cansados no meio do caminho, alguns sentados na lama, parecendo quase desistir, mesmo sabendo que a noite chegaria logo, e, com ela, mais frio.

Eu e Vic alcançamos o local, montamos a barraca e aguardamos. O lugar era espetacular, e, por conta da ajuda dos burritos, chegamos, por sorte, ao pôr do sol, horário dos deuses. Tudo tinha valido a pena, eu estava no lugar certo: passaria a virada com estilo, em um anfiteatro natural, com peruanos amigáveis ao lado, seria só alegria – se eu me esforçasse para superar as cólicas.

O problema é que os amigos dele não chegavam. Quatro horas e meia depois que eles haviam iniciado a caminhada, e 1h30 depois que eu e Vic já haviamos alcançado o acampamento, eu tinha amigos perdidos, dores estomacais infinitas,  um rolo apenas de papel higiênico, nenhum banheiro e um namorado preocupado do lado.

Estava super escuro, ele e sua lanterna levaram-me para aliviar minhas dores (não me olhem assim) perto do acampamento, numa moita atrás de uma pedra inca. Romântico assim. Ele ficava alerta ao portal, eu sofria meu próprio sofrimento do outro lado. Estava muito escuro, não nos víamos, o que pra mim foi menos humilhante. Mas não era tão legal assim visto que a escuridão aumentava nossa preocupação com os amigos.

Minutos depois, um grupo cansado chegou ao acampamento, avisando, quando perguntamos, que nossos companheiros estavam logo abaixo do casal-de-chapéu-engraçado.  Vic subiu numa pedra alta próximo ao portal, e gritou bem alto por eles. Eles ouviram na segunda vez, e gritaram de volta, com a voz lá longe, pedindo ajuda. E, você sabe, pedido de ajuda é grave. Acho que nunca tinham pedido socorro pra gente na vida.

Vic me mandou de volta pro acampamento sozinha e vivemos nosso primeiro momento take-my-breathe-away, super vitoriano. Ilustro:

Eu: “Oh, meu grande amor, não se vá. É muito perigoso, não posso te perder”.

Ele: “Oh, amada, eu tenho que ir, pela vida de meus homens. Eles estão sem cavalos. Volte para o acampamento e coloque o restante das roupas para não morrer congelada”.

Eu: “Ok. Saiba que eu te amo. Volte para mim vivo!”

Ele: “Se eu não sobreviver, avise à minha mãe que eu sempre a amei!”

E, bem, foi mais ou menos assim. Minha única fonte de calor estava descendo montanhas e precipícios escuros abaixo e eu juro que temi pela vida dele e dos demais. Pela minha, temi em vários momentos da caminhada, mas, principalmente, quando o frio aumentou durante a noite, invadindo nossa barraca capenga de umidade no lado inferior e gelando as garrafas de vinho e água que havíamos levado. Tudo bem, eu adoro água gelada.

Vic teve êxito em buscar os amigos. Eles estavam há uns 20 minutos abaixo do ponto de encontro, completamente parados, sem ar (quase 5 mil metros acima do mar), sem condições de andar mais, e precisaram do Vic pra subir com as coisas deles.

Abatidos, conseguiram se recuperar após um tempo apáticos, montaram barracas, e, depois disso, todos nós permanecemos dentro delas, porque não havia vida lá fora. O ambiente era inóspito e frio.

Tentamos encontrar lenha, mas não conseguimos. Meia-noite veio, e, com ela, o barulho e imagem dos fogos de artifício trazidos pelos vizinhos mais agasalhados. Abrimos os vinhos e tentamos nos esquentar. Em vão. Conseguimos agüentar por mais uma hora com a cabecinha pra fora, vendo mil estrelas cadentes – pq o céu abriu, e foi realmente lindo.

Às 1h, satisfeitos com a visão da via láctea, fomos obrigados a fechar as barracas e a rezar para conseguirmos dormir, em razão da preocupação com os graus Celsius dentro e fora. Vic e eu, mesmo juntos, tivemos problemas e pensei seriamente na possibilidade de trazermos o amigo Johnatan para dentro da nossa barraca – mas fiquei com medo de isso caracterizar um equivocado convite para um ménage a trois.

Mais tarde, na manhã do dia 1º de janeiro de 2012, descobrimos que um casal nunca chegou no acampamento. Não levaram a montanha a sério, beberam e fumaram durante a caminhada, não conseguindo subir os pontos mais altos ao final. Tiveram que desistir, num dramático retorno para a vila, no escuro. Dizem que passaram a virada chorando, bêbados. Para eles, foram quase 8 horas de caminhada, num frio que já havia matado pessoas. True story.

Acordamos congelados. Não nos movíamos e todos prosseguimos em silêncio somente quebrado quando o sol veio. E, puta, o sol veio. Tirei duas calças e três casacos e fui arder no sol antes de regressar – e tínhamos apenas uma lata de atum e uma hora para sair de lá, por questões de logística.

Vamos para a matemática: 1 hora de dia bonito e sem frio + 1 hora relaxante de céu estrelado bonitão na noite congelante do dia anterior. Isso sem contar que o dia tava bonito na descida, claro. Forçando um pouco, sinto que valeu a pena e no fim isso tudo rendeu inclusive algumas histórias engraçadas. Mas não sei se faria de novo. Y tu?

Texto da Pree Leonel

About the author

Viciada em viajar, mas que sossegou - só um pouco - no Chile pra abrir um hostel. Já esteve em 9 países e mais de 100 cidades fora do Brasil. Não sabe nadar (mas sabe andar de bicicleta). É facilmente comprável com doces e bom café. E é mão de vaca (isso é um dado importante).

4 Comments

  1. Flavia Pereira
    16 de fevereiro de 2019 at 10:27
    Reply

    Muito bom! Estou pensando em ir a Marcahuasi em 2 meses. Mas não irei até o limite…afinal já não sou tão jovem e aventureira! Hahaha

  2. Matheus Crespo
    22 de janeiro de 2017 at 18:18
    Reply

    hahaha que post divertido, tirando a aflição do precipício hahaha.
    Viagens são assim né, elas tem que existir mas não necessariamente dar tudo certo como a gente esperava, se não ficamos sem histórias.

    • Camila Lisboa
      24 de janeiro de 2017 at 14:36

      Nem tudo são flores no mundo das viagens 😉

  3. Valéria Barros
    30 de dezembro de 2014 at 15:28
    Reply

    ¿POR QUÉ NO?

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